O livro é uma coisa espantosa. É um objecto plano, feito a partir de uma árvore . É montado com um conjunto de partes planas e flexíveis (que ainda são chamadas de "folhas") onde estão impressos rabiscos de pigmento preto. Basta dar-lhe uma olhada e começámos a ouvir a voz de outra pessoa, talvez de alguém que já morreu há milhares de anos. O seu autor fala através dos milénios de forma clara e silenciosa, dentro da nossa cabeça, directamente para nós. A escrita é talvez a maior das invenções humanas, que junta pessoas, cidadãos de outras épocas, que nunca se conheceram. Os livros quebram as correntes do tempo e são a prova de que os humanos conseguem fazer magia. - Carl Sagan

segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Bel Ami" - Guy de Maupassant


Com essa palavra, o nome do morto saiu-lhe da boca, surpreendeu-o como se alguém o tivesse gritado do fundo duma moita, e Jorge calou-se subitamente, retomado por essa doença estranha e teimosa, por essa irritação ciumenta, mordente, invencível, que lhe estragava a vida havia algum tempo. Passado um minuto, perguntou:
- Vieste aqui, algumas vezes à noite, assim, com o Carlos?
- Sim, frequentemente - respondeu Madalena.
De súbito, Jorge teve vontade de voltar para casa, uma vontade nervosa que lhe apertava o coração. A imagem de Forestier entrara-lhe, porém, no íntimo, possuía-o, estrangulava-o. Só podia pensar nele, falar dele. Perguntou com uma entoação malévola:
- Diz lá, Mada!
- Dizer o quê, meu amigo?
- Enganaste esse pobre Carlos?
Madalena murmorou, desdenhosa:
- Como te tornas aborrecido com essa seca.
O marido, porém, não abandonava a sua ideia:
- Vejamos, minha Madazinha, sê franca, confessa-o! Enganaste-o, diz? Confessa que o enganaste?
A mulher calou-se, chocada, como todas, quando lhes falam dessas coisas; mas Jorge insistiu, com obstinação:
- Apre! Se havia alguém com cara disso, era sem dúvida ele. Ah! Sim, sem dúvida! Gostaria muito de saber se Forestier o era. Hem? Que boa cachola para tinha para isso!
Pareceu-lhe que a mulher sorria, talvez a lembrar-se de qualquer coisa, e insistiu:
- Vamos! Diz lá. Que tem isso? Seria até muito engraçado, pelo contrário, contares-me, confessares que o tinhas enganado, confessares-mo a mim.
Estava ansioso, com efeito, com a esperança e a vontade de Carlos, o odioso Carlos, o morto detestado, o morto execrado, ter sido alvo desse vergonhoso ridículo. No entanto... no entanto, outra ansiedade, mais confusa, aguilhoava o seu desejo de saber. Repetiu:
- Mada, minha Madazinha, peço-te que mo digas. Ele bem o mereceu. Terias feito muito mal se não lhos tivesses posto. Vamos, Mada, confessa!
Madalena achava, então, sem dúvida, engraçada aquela insistência, pois ria, com uns risinhos secos, intermitentes. Jorge colocara os lábios muito próximo do ouvido de sua mulher e murmurava:
- Vamos...vamos...confessa-o.
Madalena afastou-se com um movimento brusco e declarou secamente:
- Pareces estúpido! Alguém responde a perguntas dessas?
Dissera isso num tom tão estranho que um arrepio de frio passou pelas veias do marido. Jorge ficou interdito, desorientado, um tanto sufocado, como se tivesse recebido um grande abalo moral.
O fiacre, nessa altura, dava a volta ao lago, onde o céu parecia ter semeado as suas estrelas. Dois cisnes, vagos, nadavam muito lentamente e eram apenas visíveis na sombra. Jorge gritou ao cocheiro:
-Regressemos!

Bel Ami é o segundo romance do autor francês Guy de Maupassant, publicado em 1885.
A história relata a subida ao poder corrupta do jornalista Georges Duroy que passa de um ex-combatente pobre a um dos homens mais poderosos de Paris. Duroy consegue isso através da manipulação de uma série de amantes poderosas, inteligentes e ricas.

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