O livro é uma coisa espantosa. É um objecto plano, feito a partir de uma árvore . É montado com um conjunto de partes planas e flexíveis (que ainda são chamadas de "folhas") onde estão impressos rabiscos de pigmento preto. Basta dar-lhe uma olhada e começámos a ouvir a voz de outra pessoa, talvez de alguém que já morreu há milhares de anos. O seu autor fala através dos milénios de forma clara e silenciosa, dentro da nossa cabeça, directamente para nós. A escrita é talvez a maior das invenções humanas, que junta pessoas, cidadãos de outras épocas, que nunca se conheceram. Os livros quebram as correntes do tempo e são a prova de que os humanos conseguem fazer magia. - Carl Sagan

segunda-feira, 30 de julho de 2012

"A Noiva Romanov" - Robert Alexander


Ficámos em choque a ver os cossacos percorrerem a multidão até ao fim e em seguida, como uma grande águia, voltarem para trás. Ao verem que não tínhamos fugido, foi dada uma ordem. Num rápido movimento, os cossacos desembainharam as chachki - as suas famosas espadas - e galoparam pelo meio de nós ainda mais depressa do que antes.
- Gik! Gik! - gritavam.
Era uma visão deslumbrante, aqueles brutos a cavalo, o metal prateado das suas lâminas a brilhar ao sol dourado de Inverno. Afastámo-nos ainda mais para o lado e, como tal, não houve de novo qualquer incidente, quando eles passaram aos gritos e a brandirem as suas espadas. Atravessaram a pequena ponte e desapareceram atrás da linha de soldados.
De imediato, quase instintivamente, a grande maioria de nós, muitos milhares, voltou a inundar a rua como uma torrente a cair num vazio. O meu coração batia como uma locomotiva, e, embora eu soubesse que devia levar a minha mulher grávida para longe dali, não fui capaz de me conter.  Éramos bons, éramos poderosos, nós, trabalhadores, tão desejosos de uma vida boa, e de repente demos os braços, lado a lado, unidos no nosso desespero. O canto irrompeu de todos nós - não me recordo da canção, era algo religioso, com certeza -, e, mais depressa do que nunca, investimos, os que vinham atrás a empurrarem-nos para a frente. Quando estávamos a menos de duzentos metros da linha de soldados ajoelhados, ouvi o corneteiro mandar disparar. Mas nada aconteceu. Ouvi-o de novo, aquele som no ar rarefeito do Inverno. Depois uma terceira vez, mas escusadamente, pois éramos todos irmãos e irmãs, soldados e trabalhadores. Por fim ouvi o grito estridente de um oficial a ordenar aos seus homens que disparassem sobre nós. E eles abriram fogo, o estalido seco das balas a fender o ar. Mas as espingardas que tinham estado apontadas para nós, encontravam-se nessa altura levantadas para os céus, disparando bem alto. Essa foi a primeira rajada. Depois veio outra ordem, e a segunda rajada também foi para o ar. E, não sei como, nessa altura já estávamos a correr, a reunirmos força e coragem, os nossos ícones religiosos e faixas e a imagem do czar bem erguidos. E lembro-me de olhar para os soldados ajoelhados, de ver o medo nos seus rostos jovens. Eram rapazes, trazidos de alguma caridade da província, talvez Pskpv. Rapazes apavorados que, confrontados com esta multidão, baixaram depois as armas e, desta vez obedecendo às ordens, fizeram pontaria à queima-roupa.
De novo, aquele estalido sexo, uma e outra vez.
Um grito de dor inacreditável elevou-se da multidão, unido a princípio, depois destroçado num grito aqui, noutro ali. Um homem menos de dez passos à minha frente caiu de repente no chão, a sua faixa religiosa tombando e rasgando-se aos pedaços sob os pés. Tentei parar, mas não pude, tão grande era a força da massa atrás de nós. Ao olhar para o padre Gapon, vi o horror nos seus olhos e em seguida vislumbrei dois dos seus guarda-costas, os que estavam à frente dele, a tropeçarem e a caírem. E, mesmo em cima da minha Shura, algo explodiu num milhão de pedaços e ela gritou...gritou, quando o retrato do Czar-Batuchka foi crivado de balas.
-Shura! - gritei para o céu.
Houve outra rajada de balas, quando os soldados dispararam na nossa direcção, e todos nos atirámos ao chão como um só, homem em cima de mulher, em cima de avô, em cima de criança. Estendido, tentei enterrar-me na neve, quando os tiros foram disparados uma e outra vez, até os carregadores ficarem vazios.
Finalmente, as armas silenciaram-se. Durante um breve momento, nada aconteceu. Depois surgiu uma coisa horrível, gritos e soluços à minha volta. Levantando a cabeça, olhei em volta e vi um tapete de cadáveres. Uma menina gritava aos céus, enquanto estendia as mãos para a mãe espezinhada. Um velho tentou levantar-se, tropeçou e caiu novamente. Voltando-me e olhando para trás, vi muitos de nós a fugirem, metendo-se pelas ruas laterais e a correrem para salvar as próprias vidas.
Mas a minha querida mulher estava ali deitada, virada para baixo e ao alcance da minha mão, e toquei nela, gritando:
- Shura! Shura! Anda, temos de fugir! Levanta-te!
Pus-me em pé o melhor que pude e puxei-a pelo braço. Mas porque não fazia ela qualquer movimento, porque não tentava fugir? Porque não se levantava?
- Shura! - gritei. - Shura, levanta-te!
Foi nesse momento, claro, que vi que a neve sobre a qual a minha querida mulher estava deitada já não era branca. Não, era de um carmesim quente e fumegante, e ela estava deitada ali em cima, num mar vermelho de neve que crescia rapidamente, e então dei-me conta de que também eu estava de pé na poça funda do seu sangue.
E, atrás de mim, um homem chorava como uma criança, balbuciando:
- Deus abandonou-nos e também...também o czar!


"A Noiva Romanov" é o terceiro romance do autor Robert Alexander e, à semelhança das suas obras anteriores ("The Kitchen Boy - Os últimos dias dos Romanov" e "A Filha de Rasputine") faz um retrato fictício dos derradeiros anos da Rússia Imperial. O livro foi publicado em 2008 e os seus acontecimentos são contados na primeira pessoa pela grã-duquesa Isabel, irmã da imperatriz da Rússia, e por Pavel, um operário moscovita que perde a mulher no Domingo Sangrento e que se torna revolucionário.

"Bel Ami" - Guy de Maupassant


Com essa palavra, o nome do morto saiu-lhe da boca, surpreendeu-o como se alguém o tivesse gritado do fundo duma moita, e Jorge calou-se subitamente, retomado por essa doença estranha e teimosa, por essa irritação ciumenta, mordente, invencível, que lhe estragava a vida havia algum tempo. Passado um minuto, perguntou:
- Vieste aqui, algumas vezes à noite, assim, com o Carlos?
- Sim, frequentemente - respondeu Madalena.
De súbito, Jorge teve vontade de voltar para casa, uma vontade nervosa que lhe apertava o coração. A imagem de Forestier entrara-lhe, porém, no íntimo, possuía-o, estrangulava-o. Só podia pensar nele, falar dele. Perguntou com uma entoação malévola:
- Diz lá, Mada!
- Dizer o quê, meu amigo?
- Enganaste esse pobre Carlos?
Madalena murmorou, desdenhosa:
- Como te tornas aborrecido com essa seca.
O marido, porém, não abandonava a sua ideia:
- Vejamos, minha Madazinha, sê franca, confessa-o! Enganaste-o, diz? Confessa que o enganaste?
A mulher calou-se, chocada, como todas, quando lhes falam dessas coisas; mas Jorge insistiu, com obstinação:
- Apre! Se havia alguém com cara disso, era sem dúvida ele. Ah! Sim, sem dúvida! Gostaria muito de saber se Forestier o era. Hem? Que boa cachola para tinha para isso!
Pareceu-lhe que a mulher sorria, talvez a lembrar-se de qualquer coisa, e insistiu:
- Vamos! Diz lá. Que tem isso? Seria até muito engraçado, pelo contrário, contares-me, confessares que o tinhas enganado, confessares-mo a mim.
Estava ansioso, com efeito, com a esperança e a vontade de Carlos, o odioso Carlos, o morto detestado, o morto execrado, ter sido alvo desse vergonhoso ridículo. No entanto... no entanto, outra ansiedade, mais confusa, aguilhoava o seu desejo de saber. Repetiu:
- Mada, minha Madazinha, peço-te que mo digas. Ele bem o mereceu. Terias feito muito mal se não lhos tivesses posto. Vamos, Mada, confessa!
Madalena achava, então, sem dúvida, engraçada aquela insistência, pois ria, com uns risinhos secos, intermitentes. Jorge colocara os lábios muito próximo do ouvido de sua mulher e murmurava:
- Vamos...vamos...confessa-o.
Madalena afastou-se com um movimento brusco e declarou secamente:
- Pareces estúpido! Alguém responde a perguntas dessas?
Dissera isso num tom tão estranho que um arrepio de frio passou pelas veias do marido. Jorge ficou interdito, desorientado, um tanto sufocado, como se tivesse recebido um grande abalo moral.
O fiacre, nessa altura, dava a volta ao lago, onde o céu parecia ter semeado as suas estrelas. Dois cisnes, vagos, nadavam muito lentamente e eram apenas visíveis na sombra. Jorge gritou ao cocheiro:
-Regressemos!

Bel Ami é o segundo romance do autor francês Guy de Maupassant, publicado em 1885.
A história relata a subida ao poder corrupta do jornalista Georges Duroy que passa de um ex-combatente pobre a um dos homens mais poderosos de Paris. Duroy consegue isso através da manipulação de uma série de amantes poderosas, inteligentes e ricas.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

"O Alquimista" - Paulo Coelho


Meca é muito mais longe que as Pirâmides. Quando eu era jovem, preferi juntar o pouco dinheiro que tinha para começar esta loja. Pensava em ser rico algum dia, para ir a Meca. Passei a ganhar dinheiro, mas não podia deixar ninguém a cuidar dos cristais, porque os cristais são coisas delicadas. Ao mesmo tempo, via passar defronte da minha loja muitas pessoas que seguiam na direcção de Meca. Havia alguns peregrinos ricos, que iam com um séquito de criados e de camelos, mas a maior parte das pessoas era muito mais pobre do que eu era.
Todas iam e voltavam contentes, e colocavam na porta das suas casas os símbolos da peregrinação. Uma delas, um sapateiro que vivia de remendar as botas alheias, disse-me que tinha caminhado quase um ano pelo deserto, mas que ficava sempre mais cansado quando tinha de percorrer alguns quarteirões de Tânger para comprar couro.
- Por que não vai a Meca agora? - perguntou o rapaz.
- Porque Meca é o que me mantém vivo. E o que me faz aguentar todos estes dias iguais, estes copos calados nas prateleiras, o almoço e o jantar naquele restaurante horrível. Tenho medo de realizar o meu sonho, e depois não ter mais motivos para continuar vivo.
»Tu sonhas com ovelhas e com pirâmides. És diferente de mim, porque desejas realizar os teus sonhos. Eu queria apenas sonhar com Meca. Já imaginei milhares de vezes a travessia do deserto, a minha chegada à praça onde está a Pedra Sagrada, as sete voltas que devo dar em torno dela antes de tocá-la. Já imaginei quais as pessoas que estarão a meu lado, na minha frente, e as conversas e orações que compartilharemos juntos. Mas tenho medo que seja uma grande decepção, então prefiro apenas sonhar.
Nesse dia, o Mercador deu permissão ao rapaz para construir a estante. Nem todos podem ver os sonhos da mesma maneira.



O Alquimista é um best-seller do escritor brasileiro Paulo Coelho.
Este livro narra a história de um jovem pastor chamado Santiago que, após ter um sonho repetido, decide partir em uma longa viagem da Espanha ao Egitpo, pois, segundo o sonho, é lá, junto às pirâmides, onde ele irá encontrar um tesouro enterrado. Ao iniciar sua jornada ele se vê lançado em uma imprevisível busca por esclarecimento sobre os grandes mistérios que acompanham a humanidade desde o início dos tempos; baseada na história das Mil e Uma Noites, "The Ruined Man who Became Rich Again through a Dream".
O livro foi traduzido para mais de 73 línguas, tendo vendido mais de 65 milhões de cópias em todo mundo.

domingo, 1 de julho de 2012

"Eloisa to Abelard" (a.k.a. "Eternal Sunshine of the Spotless Mind") - Alexander Pope



(...)

How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd;

Labour and rest, that equal periods keep;
"Obedient slumbers that can wake and weep;"
Desires compos'd, affections ever ev'n,
Tears that delight, and sighs that waft to Heav'n.
Grace shines around her with serenest beams,
And whisp'ring angels prompt her golden dreams.
For her th' unfading rose of Eden blooms,
And wings of seraphs shed divine perfumes,
For her the Spouse prepares the bridal ring,
For her white virgins hymeneals sing,
To sounds of heav'nly harps she dies away,
And melts in visions of eternal day.

(...) 

Publicado em 1717, Eloisa to Abelard é um poema de Alexander Pope (1688-1744). É uma epístola heróica ao estilo de Ovídio inspirada pela história do século XII do amor ilícito de Héloise e do casamento secreto com o seu professor Pierre Abélard. Este era talvez o professor e filósofo mais popular de Paris e a história também inclui a vingança brutal da família dela que castra o professor, apesar de os dois estarem casados.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Invictus - William Ernest Henley



Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

terça-feira, 20 de março de 2012

Primavera - José Almada Negreiros


O sol vae esmolando os campos com bôdos de oiro.

A pastorinha aquecida vae de corrida a mendigar a sombra do chorão corcunda, poeta romantico que tem paixão p'la fonte.

Espreita os campos, e os campos despovoados dão-lhe licença para ficar núa. Que leves arrepios ao refrescar-se nas aguas! Depois foi de vez, meteu-se no tanque e foi espojar-se na relva, a seccar-se ao sol. Mas o vento que vinha de lá das Azenhas-do-Mar, trazia peccados
comsigo. Sentiu desejos de dar um beijo no filho do Senhor Morgado. E lembrou-se logo do beijo da horta no dia da feira. Fechou os olhos a cegar-se do mau pensamento, mas foi lembrar-se do
proprio Senhor Morgado á meia noite ao entrar na adega. Abanou a fronte para lhe fugir o peccado, mas foi dar comsigo na sachristia a deixar o Senhor Prior beijar-lhe a mão, e depois a testa... porque Deus é bom e perdôa tudo... e depois as faces e depois a bocca e depois... fugiu... Não devia ter fugido... E agora o moleiro, lá no arraial, bailando com ella e sem querer, coitado, foi ter ao moinho ainda a bailar com ella. E lembra-se ainda - sentada na grande arca,
e mãos alheias a desapertarem-lhe as ligas e o corpête, emquanto ouve a historia triste do moinho com cincoenta malfeitores... Quer lembrar-se mais, que seja peccado! quer mais recordações do moinho, mas não encontra mais.

Ah! e o boieiro quando, a guiar a junta, topou com ella e lhe perguntou se vira por acaso uma borboleta branca a voar a muito, uma borboleta muito bonita! Que não, que não tinha visto; mas o boieiro desconfiado foi procurando sempre, e até mesmo por debaixo dos vestidos.

Como desejava poder ir com todos!

Não sabe o que sente dentro de si que a importuna de bem estar.

Teria a borbolêta branca fugido para dentro d'ella?

segunda-feira, 12 de março de 2012

O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago


Como sempre desde que o mundo é mundo, para cada um que nasce, há outro que agoniza. O de agora, falamos do que está à morte, é o rei Herodes, que sofre, além do mais e pior que se dirá, de uma horrível comichão que o põe às portas da loucura, como se as mandíbulas miudinhas e ferozes de cem mil formigas lhe estivessem roendo o corpo, infatigáveis. Depois de terem experimentado, com nenhumas melhoras, quantos bálsamos se usaram até hoje em todo o orbe conhecido, sem exclusão do Egipto e da índia, os médicos reais, já de cabeça perdida ou, para ser mais exacto, com medo de perdê-la, lançaram-se a compor banhos e mezinhas ao acaso, misturando em água ou óleo quaisquer ervas ou pós de que alguma vez se tivesse dito algum bem, mesmo sendo contrárias as indicações da farmacopeia. O rei, possesso de dor e furor, com espuma a saltar-lhe da boca como se o tivesse mordido um cão raivoso, ameaça que os fará crucificar a todos se não descobrirem rapidamente remédio suficiente para os seus males, que, como já foi antecipado, não se limitam ao ardor insofrível da pele e também ás convulsões que frequentemente o derrubam, o atiram ao chão, fazendo dele um novelo retorcido, agónico, com os olhos a saltarem-lhe das órbitas, as mãos rasgando as vestes, por baixo das quais as formigas, multiplicando-se, prosseguem o devastador trabalho. O pior, o pior verdadeiramente, é a gangrema que se tem manifestado nestes últimos dias, e esse horror sem explicação nem nome de que se fala em segredo no palácio, a saber, os vermes que infestam os órgãos genitais da real pessoa e que, esses sim, a estão devorando em vida. Os gritos de Herodes atroam as salas e as galerias do palácio, os eunucos que o servem directamente não dormem nem descansam, os escravos de nível inferior fogem de encontrar-se no seu caminho. Arrastando um corpo que fede de putrefacção, apesar dos perfumes que leva embebidas as roupas e ungidos os cabelos pintados, a Herodes só o mantém vivo a fúria. Transportado numa liteira, rodeado de médicos e de guardas armados, percorre o palácio de um extremo a outro à procura de traidores, desde há muito que os vê, ou adivinha em toda a parte, e o seu dedo de súbito aponta, pode ser um chefe de eunucos que estava conquistando demasiada influência, ou um fariseu recalcitrante que anda protestando contra os que desobedecem à lei devendo ser os primeiros a respeitá-la, neste caso nem é preciso pronunciar um nome para saber de quem se trata, podem ser ainda os seus próprios filhos Alexandre e Aristóbulo, presos e logo condenados à morte por um tribunal de nobres à pressa convocado para essa sentença e não outra, ora, que outra coisa poderia ter feito este pobre rei se em alucinados sonhos via aqueles maus filhos avançando para ele de espada nua, e se, no mais abominável dos pesadelos, olhava, como num espelho, a sua própria cabeça cortada. Do fim terrível conseguiu livrar-se, agora pode contemplar tranquilamente os cadáveres daqueles que um minuto antes ainda eram herdeiros de um trono, os seus próprios filhos, culpados de conspiração, abuso e arrogância, mortos por estrangulamento.

Farewell to London - Alexander Pope

 

Dear, damn'd distracting town, farewell!
Thy fools no more I'll tease:
This year in peace, ye critics, dwell,
Ye harlots, sleep at ease!

Soft B-- and rough C--s adieu,
Earl Warwick made your moan,
The lively H--k and you
May knock up whores alone.

To drink and droll be Rowe allow'd
Till the third watchman's toll;
Let Jervas gratis paint, and Frowde
Save three-pence and his soul.

Farewell, Arbuthnot's raillery
On every learned sot;
And Garth, the best good Christian he,
Although he knows it not.

Lintot, farewell! thy bard must go;
Farewell, unhappy Tonson!
Heaven gives thee for thy loss of Rowe,
Lean Philips, and fat Johnson.

Why should I stay? Both parties rage;
My vixen mistress squalls;
The wits in envious feuds engage:
And Homer (damn him!) calls.

The love of arts lies cold and dead
In Halifax's urn:
And not one Muse of all he fed
Has yet the grace to mourn.

My friends, by turns, my friends confound,
Betray, and are betrayed:
Poor Y--r's sold for fifty pound,
And B--ll is a jade.

Why make I friendships with the great,
When I no favour seek?
Or follow girls, seven hours in eight?
I us'd but once a week.

Still idle, with a busy air,
Deep whimsies to contrive;
The gayest valetudinaire,
Most thinking rake, alive.

Solicitous for others' ends,
Though fond of dear repose;
Careless or drowsy with my friends,
And frolic with my foes.

Luxurious lobster-nights, farewell,
For sober, studious days!
And Burlington's delicious meal,
For salads, tarts, and pease!

Adieu to all, but Gay alone,
Whose soul, sincere and free,
Loves all mankind, but flatters none,
And so may starve with me. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"As Regras da Sedução" - Madeline Hunter



Ela teve de inclinar a cabeça para trás para olhar para ele. Estava novamente a fazê-lo, a tentar dominar com a sua presença e vontade. Comprazia-se nisso e ele sentiu vontade de lhe bater pelo efeito que exercia nela. Com o avolumar da raiva, a sua pulsação acelerou.
     - Como se atreve a falar do meu futuro? E logo o senhor! Há um mês já não era promissor. Não possuía fortuna nem beleza mas pelo menos tinha um lar e uma família. É chocante que aborde o assunto à minha frente.
     Ele aceitou as acusações sem comentar. Ela viu nos olhos faiscantes dele um reflexo dos seus. Soou um alerta dentro de si, mas ela ignorou-o.
     - Há homens que procuram mais do que a fortuna e não lhe falta beleza. - Tendo em conta a expressão dele, intensa e dura, a sua voz soou muito calma.
     - Agora está a ser cruel.
     - Os seus olhos são duas maravilhas. Hipnotizantes. E reflectem o seu espirito indómito.
     A lisonja deixou-a sem fala. A sua mente fervilhava, procurando ordenar ideias que se dispersavam com o choque, mas não havia maneira de o fazer.
     Ele estava agora mais próximo. Ela não se apercebera do seu movimento mas estava muito próximo. Demasiado próximo. Fixou-a nos olhos e, por sua vez, hipnotizou-a.
     Um calor suave na sua face. Ele estava a tocar nela. A ponta dos dedos dele provocou-lhe um arrepio por todo o corpo. Devia...
      - A sua tez também é encantadora - disse ele, acariciando-a subtilmente. O doce contacto, surpreendente e íntimo, cortou-lhe a respiração. Ele baixou os olhos. - E a sua boca, Miss Welbourne. Bem, a sua boca é bele de um modo que duvido que alguma vez venha a compreender.
     Voltou a olhá-la nos olhos e mais uma vez a atordiu. O seu olhar ardia, fogoso e abrasador, repleto do perigo que desde o ínicio pressentira nele. (...)
     A boca dele pressionou a sua. Quente, firme, dominador, o beijo produziu uma onda de choque prodigiosa.

"Boca do Inferno" - Ricardo Araújo Pereira


"Apelo à Inquietação"

     Sem querer ser alarmista, devo informar todos os leitores do seguinte: fomos recentemente colocados perante um escândalo política, e a nossa democracia pode estar em perigo. Quando anunciou ao país a data do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, Cavaco Silva produziu afirmações gravíssimas que, segundo creio, passaram até agora sem comentário. O presidente da República disse, com toda a desfaçatez, e cito: "é imprescindível que o debate decorra com serenidade e elevação." Ora, nenhum democrata pode admitir que o garante da democracia em Portugal venha deste modo limitar os direitos políticos de boa parte dos cidadãos. Se o debate sobre o aborto deve decorrer com serenidade e elevação, quase toda a gente que se pronuncia publicamente sobre o assunto vai ter de se calar. Até agora, o debate tem decorrido, regra geral, com bastante primarismo e gritaria. A julgar pelo barulho, o debate sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez opõe aborcionistas assassinos a beatos hipócritas. E Cavaco Silva acaba de excluir essa gente da discussão. Pergunto: quem sobra?
     Temo que não sobre ninguém. A comunicação social, por um problema técnico qualquer, tem dificuldade em captar discussões que sejam mantidas em voz baixa. Com serenidade e elevação, não vamos lá. A única maneira de o público tomar contacto com a opinião defendida por ambos os lados do debate é a barulheira. Padres serenos não aparecem na televisão. Mas padres encarniçados a pregarem contra partidos do sim em pleno altar porque essa gente que não respeita a vida devia ser abatida têm lugar no horário nobre. Activistas pró-aborto que discutem com elevação também aparecem pouco. Mas as que estão dispostas a explicar, aos gritos e à beira da apoplexia, porque é que este debate que opões gente séria a gente hipócrita deve decorrer com calma e sem maniqueísmos aparecem bastante mais.
     Há, nas declarações de Cavaco, outro problema: um plágio descarado da postura de Jorge Sampaio enquanto presidente da República. Apelar à serenidade é património político de Jorge Sampaio. Sampaio apelou à serenidade três ou quatro vezes por dia, ao longo dos dez anos em que foi presidente. Durante os dois mandatos de Sampaio, o país esteve mais sereno do que uma lesma. Creio que, em 2004, Sampaio apelou tanto à serenidade que o país chegou a adormecer durante dois ou três meses. E, quando acordou, Santana Lopes estava no poder. Cuidado, pois, com a serenidade.

"A Tia Marquesa" - Simonetta Agnello Hornby


Os cabelos encaracolados de Constanza faziam-lhe cócegas no pescoço por baixo da barba. «Esta é diferente, é a a melhor. Os filhos de Constanza serão a salvação do sangue da mãe.» Enterneceu-se ao pensar na mulher. Constanza abriu os olhos e olhou-o de baixo para cima. Segurava-a com firmeza, as mãos sobre o baixo-ventre, e compreendia assim a sua sensibilidade animal às reacções dos outros, mesmo aos pensamentos. «Daqui o sangue Safamita correrá em homens e mulheres de valor», pensava. «Esta deve controlar o seu património, só ela.»
     «Papá, não gosto de estar ao colo do padre Puma: devo continuar a estar para ir para o Paraíso?» Constanza tinha falado com uma vozinha muito fraca, parecia estar a dormir.
     «Não, não deves. Diz-lho», respondeu o pai.
     «Já lhe disse, mas ele diz que é assim que se aprende a receber o corpo de Cristo. É um segredo. Não gosto do padre Puma. Tenho que o fazer?»
     «Não, não é preciso», respondeu o pai. Um suor novo escorria-lhe das têmporas, da testa, do nariz e enfiava-se, quente e salgado, por entre os lábios. Tinha que saber.
     «Onde te toca?»
     «Aqui», disse Constanza, dirigindo-lhe a mão com a sua - pequena, ossuda - para a virilha. «Magoa-me.»
     «Isso não se faz, diz-to o teu pai», afirmou. «Diz-lhe que não é preciso fazer isso para a primeira comunhão.»
     «Mas ele diz que se faz e que é um segredo. O que faço amanhã quando ele vier?» Constanza estava anciosa.
     O pai tinha dificuldade em controlar-se, a ira inchava-lhe os músculos. Doíam-lhe. «Não te preocupes, Constanza. Podes sempre confiar os teus segredos ao papá, eu não os conto a ninguém, nem sequer à mamã. Isto fica só para nós os dois e basta. Eu falo com o padre Puma. Amanhã não virá ao palacete. Estás pronta para a primeira comunhão e não precisas mais de catequese, e depois aliás temos de ir todos a Palermo para acompanhar Stefano ao colégio.»

"A Bruxa de Portobello" - Paulo Coelho


Athena parou diante de mim e repetiu o gesto de sempre: fechou os olhos, e abriu a boca para receber o corpo de Cristo.
     O Corpo de Cristo permaneceu nas minhas mãos.
     Ela abriu os olhos, sem entender exactamente o que estava a acontecer.
     — Conversamos depois — sussurrei.
     Mas ela não se movia.
     — Tem gente atrás de si na fila. Conversamos depois.
     — O que está a acontecer? — todos que estavam próximos puderam escutar a sua pergunta.
     — Conversamos depois.
     — Por que não me dá a comunhão? Não vê que me está a humilhar diante de todos? Não basta tudo aquilo que já passei?
     — Athena, a Igreja proíbe que pessoas divorciadas recebam o sacramento. Assinou os papéis esta semana. Conversamos depois — insisti mais uma vez.
     Como não se movia, fiz menção para que a pessoa atrás dela passasse à frente. Continuei a dar a comunhão até que o último paroquiano a tivesse recebido. E foi então que, antes de voltar ao altar, ouvi aquela voz.
     Já não era a voz da rapariga que cantava para adorar a Virgem, que conversava sobre os seus planos, que se comovia ao contar o que aprendera sobre a vida dos santos, que quase chorava ao dividir as suas dificuldades no casamento. Era a voz de um animal ferido, humilhado, com o coração repleto de ódio.
     — Pois maldito seja este lugar! — disse a voz. — Malditos sejam aqueles que jamais escutaram as palavras de Cristo, e que transformaram a sua mensagem numa construção de pedra. Pois Cristo disse: “vinde a mim os que estão agoniados, e eu os aliviarei”. Eu estou agoniada, ferida, e não me deixam ir até Ele. Hoje aprendi que a Igreja transformou estas palavras: vinde a mim os que seguem as nossas regras, e deixem os agoniados para lá!
     Ouvi uma das mulheres na primeira fila a dizer que se calasse. Mas eu queria ouvir, eu precisava de ouvir. Voltei-me e fiquei diante dela, com a cabeça baixa — era a única coisa que podia fazer.
     — Juro que jamais voltarei a pôr os pés numa igreja. Mais uma vez sou abandonada por uma família, e agora não são dificuldades financeiras, ou imaturidade de gente que casa cedo. Malditos sejam todos os que fecham a porta para uma mãe e um filho! Vocês são iguais àqueles que não acolheram a Sagrada Família, iguais ao que negou Cristo quando Ele mais precisava de um amigo!
     E, dando meia-volta, saiu aos prantos, com o filho nos braços. Eu terminei o ofício, dei a bênção final, e fui direto para a sacristia — naquele domingo não haveria confraternização com os fiéis, nem conversas inúteis. Naquele domingo, eu estava diante de um dilema filosófico: tinha escolhido respeitar a instituição, e não as palavras na qual a instituição é baseada.

"O Vermelho e o Negro" - Stendhal



- Deixará os seus alunos para se empregar noutro sítio?
     Julião admirou-se da voz incerta e do olhar da senhora de Rênal. «Esta mulher ama-me», disse para consigo, «mas, depois deste passageiro momento de franqueza que o seu orgulho reprova e logo que não receie a minha partida, retomará a sua altivez.» Este relance de vista à sua posição foi rápido como um relâmpago; respondeu hesitante:
     - Terei muita pena de deixar umas crianças tão amáveis e de tão boa família, mas talvez seja necessário. Também há deveres para com nós próprios.
     Ao pronunciar as palavras tão boa família (eram palavras aristocráticas que Julião há pouco aprendera) animou-o um profundo sentimento de despeito.
     «Aos olhos desta mulher», continuava ele, conversando consigo próprio, «eu não sou bem-nascido.»
     A senhora de Rênal, ao escutá-lo, admirava o seu valor, a sua beleza, e sentia o coração esmagado, lembrando-se da possibilidade de partida que ele lhe fazia entrever. Todos os seus amigos de Verrières que, durante a ausência de Julião, tinham vindo jantar a Vergy, a tinham felicitado, como se a invejassem, pelo homem espantoso que o seu marido tivera a sorte de descobrir. Não era porque compreendessem coisa alguma dos progressos das crianças. O facto de saber a Bíblia de cor e, para mais, em latim, tinha causado nos habitantes de Verrières uma admiração que talvez predure um século.
     Como não falara com ninguém, Julião ignorava tudo isto. Se a senhora de Rênal tivesse tido um pouco de sangue-frio, teria gabado a reputação que ele conquistara e, tranquilizado o orgulho de Julião, ele teria sido para ela meigo e amável, tanto mais que o vestido novo lhe parecia encantador. A senhora de Rênal, que também estava contente com o seu lindo vestido e com a apreciação que o preceptor dele fez, quis dar uma volta pelo jardim; mas dali a pouco confessou que não estava em estado de caminhar. Dera o braço ao viajante, e este contacto, em vez de lhe aumentar as forças, tirava-lhas completamente.

"O Diário de Jack, o Estripador" - Shirley Harrison


Polly Nichols foi vista, pelo menos, três pessoas a vaguear pelas ruas escuras, à procura de um cliente que precisasse de «uma de pé por 4 dinheiros». O relógio da igreja paroquial de St Mary Martfellon bateu as 2:30 h enquanto ela percorria quase 2km da Whitechapel Road, onde deve ter encontrado Maybrick. Às 3:40 h dessa madrugada, estava morta.
     Tinham trocado a estrada principal pela Buck’s Road, uma rua empedrada que, segundo o Evening News, não estava «sobrecarregada com candeeiros de gás». De um doa lados havia uma fileira de casas novas e, do outro, armazéns altos. Aí, Mabrick empurrou Polly Nichols, pelos queixos, contra o portão do pátio de um estábulo e estrangulou-a. Atirou-a para o chão e, com a sua faca nova e brilhante, cortou-lhe a garganta até às vértebras.
     A fantasia e obsessão de Maybrick com a decapitação são um tema constante em todos os seus relatos dos crimes de Whitechapel – e os relatórios médicos oficiais da época confirmam que, efectivamente, de todas as vezes se encontraram golpes profundos em volta da garganta.
     “Mostrei a todos que estou a falar a sério, o prazer foi muitíssimo melhor do que imaginara. A puta estava demasiado desejosa de fazer o seu serviço. Lembro-me de tudo e excita-me. Não houve grito quando cortei. Fiquei mais do que irritado quando a cabeça não saiu. Julgo que precisarei de mais força da próxima vez. Golpeei-a profundamente. Lamento não ter a bengala, teria sido um prazer enterrá-la com força nela. A puta abriu-se como um pêssego maduro. Decidi que da próxima vez vou tirar tudo para fora. O meu remédio dar-me-á força e o pensamento da puta e do seu proxeneta vai espicaçar-me sem dúvida.”
     Frustrado por não ter conseguido retirar a cabeça da vítima, o Estripador rasgou-lhe então a saia e golpeou-lhe e cortou-lhe a barriga com selvajaria.
     Depois, afastou-se em silêncio. Nenhum dos residentes ou dos guardas-nocturnos ouviu o que quer que fosse.


"Expiação" - Ian McEwan



- Idiota! Já viste o que fizeste?

     Ele olhou para a água, depois voltou a olhar para ela e limitou-se a abanar a cabeça, enquanto punha uma mão à frente da boca. O gesto dele significava que assumia total responsabilidade, mas naquele momento ela odiou-o por aquela reacção tão desajustada. Ele olhou para a bacia e suspirou. Por momentos, pensou que ela ia dar um passo para trás e pisar a jarra, o que o levou a levantar a mão e a apontar, mas sem dizer nada. Em vez disso, começou a desabotoar a camisa. Ela percebeu imediatamente o que ele se preparava para fazer. Era intolerável. Tinha ido a sua casa e tinha tirado as meias e os sapatos - muito bem: ela mostrar-lhe-ia como era. Tirou as sandálias, desabotoou a blusa e despiu-a, desapertou a saia e tirou-a pelos pés e meteu-se na bacia. Ele ficou imóvel, de mãos nas ancas, a vê-la meter-se na água em roupa interior. Negar a ajuda dele, negar-lhe qualquer possibilidade de remediar o que tinha feito, seria a sua forma de o castigar. A temperatura inesperadamente baixa da água, que quase a deixou sem respiração, seria o castigo dele. Susteve o fôlego e mergulhou, deixando o cabelo aberto em leque à superficie. Afogar-se seria o castigo dele.

     Quando emergiu alguns segundos depois, com um caco em cada mão, ele teve o discernimento de não se oferecer para a ajudar a sair da água. Aquela ninfa branca e frágil, da qual a água corria em cascata, mais que do corpolento Tritão, colocou cuidadosamente os pedaços junto da jarra. Vestiu-se rapidamente, enfiando com dificuldade os braços molhados nas mangas de seda e prendendo a blusa desapertada com a saia. Pegou nas sandálias e enfiou-as debaixo do braço, pôs os cascos no bolso da saia e pegou na jarra. Fez tudo aquilo com movimentos selvagens e sem olhar para ele. Ele não existia, fora banido, e isso também era uma forma de o castigar. Ficou imóvel e em silêncio, a vê-la afastar-se descalça e com o cabelo escuro a ondular pesadamente sobre os ombros, encharcando-lhe a blusa. Depois voltou-se e olhou para a água, para o caso de lá ter ficado algum bocado da jarra. Era difícil ver porque a superfície da água ainda não tinha recuperado a tranquilidade, sendo, aliás «, a sua turbulência acrescida pelo espírito remanescente da fúria dela. Robbie pousou a mão sobre a água, como para a aquietar. Entretanto, Cecilia desaparecera dentro da casa.