O livro é uma coisa espantosa. É um objecto plano, feito a partir de uma árvore . É montado com um conjunto de partes planas e flexíveis (que ainda são chamadas de "folhas") onde estão impressos rabiscos de pigmento preto. Basta dar-lhe uma olhada e começámos a ouvir a voz de outra pessoa, talvez de alguém que já morreu há milhares de anos. O seu autor fala através dos milénios de forma clara e silenciosa, dentro da nossa cabeça, directamente para nós. A escrita é talvez a maior das invenções humanas, que junta pessoas, cidadãos de outras épocas, que nunca se conheceram. Os livros quebram as correntes do tempo e são a prova de que os humanos conseguem fazer magia. - Carl Sagan

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

All the Light We Cannot See - Anthony Doerr


    She runs across the street to the park and plays there alone, beneath the budding trees, while her mother stands on the corner and bites the tips of her fingers. The girl climbs into the swing and pendulums back and forth, pumping her legs, and watching her opens some valve a Werner's soul. This is life, he thinks, this is why we live, to play like this on a day when winter is finally releasing its grip. He waits for Neumann Two to come around the truck and say something crass, to spoil it, but he doesn't, and neither does Bernd, maybe they don't see her at all, maybe this one pure thing will escape their defilement, and the girl sings as she swings, a high song that Werner recognizes, a counting song that girls jumping rope in the alley behind Children's House used to sing. Eins, zwei, Polizei, drei, vier, Offizier, and how he would like to join her, push her higher and higher, sing funf, sechs, alte Hex, sieben, acht, gute Nacht! Then her mother calls something Werner cannot hear and takes the girl's hand. They pass around a corner, little velvet cape trailing behind, and are gone.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Deixa o Grande Mundo Girar - Colum McCann

     

    O porteiro ligou-lhe e ela desceu as escadas a correr, saiu para a rua e pagou ao motorista de táxi. Olhou para baixo para os meus pés - uma pequena barreira de sangue tinha crescido na orla do calcanhar e a algibeira do meu vestido estava rasgada - e alguma coisa deu a volta dentro dela, alguma chave, o seu rosto enterneceu-se. Pronunciou o meu nome e, por um momento, senti-me incomodada. Rodeou-me com o braço e levou-me directamente para dentro do elevador e pelo corredor em direcção ao quarto. Os cortinados estavam corridos. Emanava dela um cheiro forte a cigarros, misturado com perfume fresco. - Aqui - disse ela, como se fosse o único lugar no mundo. Sentei-me sobre a roupa da cama limpa, sem uma ruga, enquanto ela punha um banho a correr. O esparrinhar da água. - Pobrezinha! - chamou ela. Havia no ar um odor a sais perfumados.
    Vi o meu reflexo no espelho da cama. O rosto estava com aspecto bafurido e exausto. Ela estava a dizer alguma coisa, mas a sua voz foi envolvida pelo ruído da água.
    O outro lado da cama estava amarrotado. Assim, ela tinha estado deitada, talvez a chorar. Tive vontade de me sentar em cima da sua marca, aumentando-a três vezes mais. A porta abriu-se lentamente. Claire estava a sorrir. - Vamos pôr-te em forma - disse ela. Veio até à beira da cama, pegou no meu cotovelo, conduziu-me à casa de banho, sentou-se num banco de madeira junto à banheira. Inclinou-se e experimentou a temperatura da água com o nó do dedo. Descalcei as meias. Pequenos pedaços de pele saíram dos meus pés. Sentei-me no extremo da banheira e passei as pernas para o outro lado. A água fez arder. Escorreu sangue dos meus pés. Como um pôr do sol a desvanecer-se, o brilho avermelhado a dispersar-se dentro de água.
    Claire colocou uma toalha branca no meio do chão da casa de banho, aos meus pés. Deu-me alguns pensos rápidos, com o painel protector já tirado. Não pude deixar de pensar que ela tinha vontade de secar-me os pés com o seu cabelo.
    - Eu estou bem, Claire - disse-lhe eu.
    - Que é que te roubaram?
    - Apenas a minha bolsa.
    Senti-me invadida pelo receio: ela podia pensar que eu queria apenas o dinheiro que me havia oferecido para ficar, receber a minha recompensa, a minha bolsa de escrava.
    - Não tinha dinheiro.
    - De qualquer forma, vamos chamar a polícia.
    - A polícia?
    - Porque não?
    - Claire...
    Ela olhou para mim sem compreender, e depois um entendimento atravessou os seus olhos. As pessoas acham que conhecem o mistério de se viver dentro da nossa pele. Não conhecem. Não há ninguém que saiba a não ser a pessoa que acarreta com isso dentro de si.
    - Queres saber o pior nisto? - disse eu.
    - O que foi?
    - Ela chamou-me gorda.